Monday, October 01, 2007

Deu na Folha de São Paulo de hoje:


Pensamentos quase póstumos
LUCIANO HUCK

LUCIANO HUCK foi assassinado. Manchete do "Jornal Nacional" de ontem. E eu, algumas páginas à frente neste diário, provavelmente no caderno policial. E, quem sabe, uma homenagem póstuma no caderno de cultura.
Não veria meu segundo filho. Deixaria órfã uma inocente criança. Uma jovem viúva. Uma família destroçada. Uma multidão bastante triste. Um governador envergonhado. Um presidente em silêncio.
Por quê? Por causa de um relógio.
Como brasileiro, tenho até pena dos dois pobres coitados montados naquela moto com um par de capacetes velhos e um 38 bem carregado.
Provavelmente não tiveram infância e educação, muito menos oportunidades. O que não justifica ficar tentando matar as pessoas em plena luz do dia. O lugar deles é na cadeia.
Agora, como cidadão paulistano, fico revoltado. Juro que pago todos os meus impostos, uma fortuna. E, como resultado, depois do cafezinho, em vez de balas de caramelo, quase recebo balas de chumbo na testa.
Adoro São Paulo. É a minha cidade. Nasci aqui. As minhas raízes estão aqui. Defendo esta cidade. Mas a situação está ficando indefensável.
Passei um dia na cidade nesta semana -moro no Rio por motivos profissionais- e três assaltos passaram por mim. Meu irmão, uma funcionária e eu. Foi-se um relógio que acabara de ganhar da minha esposa em comemoração ao meu aniversário. Todos nos Jardins, com assaltantes armados, de motos e revólveres.
Onde está a polícia? Onde está a "Elite da Tropa"? Quem sabe até a "Tropa de Elite"! Chamem o comandante Nascimento! Está na hora de discutirmos segurança pública de verdade. Tenho certeza de que esse tipo de assalto ao transeunte, ao motorista, não leva mais do que 30 dias para ser extinto. Dois ladrões a bordo de uma moto, com uma coleção de relógios e pertences alheios na mochila e um par de armas de fogo não se teletransportam da rua Renato Paes de Barros para o infinito.
Passo o dia pensando em como deixar as pessoas mais felizes e como tentar fazer este país mais bacana. TV diverte e a ONG que presido tem um trabalho sério e eficiente em sua missão. Meu prazer passa pelo bem-estar coletivo, não tenho dúvidas disso.
Confesso que já andei de carro blindado, mas aboli. Por filosofia. Concluí que não era isso que queria para a minha cidade. Não queria assumir que estávamos vivendo em Bogotá. Errei na mosca. Bogotá melhorou muito. E nós? Bem, nós estamos chafurdados na violência urbana e não vejo perspectiva de sairmos do atoleiro.
Escrevo este texto não para colocar a revolta de alguém que perdeu o rolex, mas a indignação de alguém que de alguma forma dirigiu sua vida e sua energia para ajudar a construir um cenário mais maduro, mais profissional, mais equilibrado e justo e concluir -com um 38 na testa- que o país está em diversas frentes caminhando nessa direção, mas, de outro lado, continua mergulhado em problemas quase "infantis" para uma sociedade moderna e justa.
De um lado, a pujança do Brasil. Mas, do outro, crianças sendo assassinadas a golpes de estilete na periferia, assaltos a mão armada sendo executados em série nos bairros ricos, corruptos notórios e comprovados mantendo-se no governo. Nem Bogotá é mais aqui.
Onde estão os projetos? Onde estão as políticas públicas de segurança? Onde está a polícia? Quem compra as centenas de relógios roubados? Onde vende? Não acredito que a polícia não saiba. Finge não saber.
Alguém consegue explicar um assassino condenado que passa final de semana em casa!? Qual é a lógica disso? Ou um par de "extraterrestres" fortemente armado desfilando pelos bairros nobres de São Paulo?
Estou à procura de um salvador da pátria. Pensei que poderia ser o Mano Brown, mas, no "Roda Vida" da última segunda-feira, descobri que ele não é nem quer ser o tal. Pensei no comandante Nascimento, mas descobri que, na verdade, "Tropa de Elite" é uma obra de ficção e que aquele na tela é o Wagner Moura, o Olavo da novela. Pensei no presidente, mas não sei no que ele está pensando.
Enfim, pensei, pensei, pensei. Enquanto isso, João Dória Jr. grita: "Cansei". O Lobão canta: "Peidei".
Pensando, cansado ou peidando, hoje posso dizer que sou parte das estatísticas da violência em São Paulo. E, se você ainda não tem um assalto para chamar de seu, não se preocupe: a sua hora vai chegar.
Desculpem o desabafo, mas, hoje amanheci um cidadão envergonhado de ser paulistano, um brasileiro humilhado por um calibre 38 e um homem que correu o risco de não ver os seus filhos crescerem por causa de um relógio.
Isso não está certo.


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LUCIANO HUCK, 36, apresentador de TV, comanda o programa "Caldeirão do Huck", na TV Globo. É diretor-presidente do Instituto Criar de TV, Cinema e Novas Mídias.


- Queila, você não tem vontade de voltar a morar no Brasil??
- Tenho! Só não tenho coragem.

4 comments:

Danilo said...

Oi Queila! SP, RJ, BH... Tá tudo virando caos no q diz respeito a segurança pública no país. Moro em Fortaleza, cidade até poucos anos, pacata apesar de populosa. Porém nossos carros agora não precisam de maçaneta para abrir, pois o medo de ser assaltado nos faz além de deixar o vidro fechado, colocar película nos vidros, travar as portas, tirar o CD/mp3 player dos carros, guardar bolsa/pasta no porta mala, esconder o celular e não andar com muito dinheiro, nem com pouco, se não os ladrões se emputecem pq vc está liso e põem-lhe uma azeitona .38 no córneos. Acredito q origem do mal, literalmente, esteja em 1a instância na educação e em segundo lugar na qualidade dos empregos ofertados no Brasil, duas áreas nas quais as ações dos governos das últimas décadas tem sido pouco, ou nada, corretas. Foi-se o tempo no qual poderíamos acreditar q a vida melhoraria no futuro. O futuro q chegou não me parece muito melhor do q o q está por vir. Tem vaga pra garçon formado em Administração aí em Montreal?

Anonymous said...

Será que devo entregar esse manifesto quando me perguntarem:

Pour quelles raisons voulez- vous quitter votre pays?
Pourquoi voulez-vous immigrer au Canada?

Beijos,
Paty

ju k said...

Usar rolex num país de esfomeados? Isso é muito mais vergonhoso do que ser assaltado. É triste quando a elite mais rica passa por um segundo aquilo que o povo sofre todos os dias. E aí faz essas campanhas vazias de Cansei. Cansou do quê? Do botox? Das idas à Disney? Só existe assalto pq existe pobreza, só existe pobreza pq existe riqueza demasiada e estapafúrdia. O q faz uma pessoa merecer R$100.000 por mês e outra $350? A violência é só um sintoma, todo mundo reclama, mas ninguém quer abrir mão do seu rolex para tratar a doença. Filhinho(a) de papai (não estou falando do Huck, é uma generalização) quer comprar baseado mas não quer que exista tráfico. Quer igualdade social, mas não quer que o trabalho de uma manicure, por exemplo, custe/valha o mesmo que o seu. A paz só existe quando há justiça. Axé.

Queila said...

Concordo plenamente ju K!
Educação, saude, segurança não deveriam ser artigos de luxo mas infelizmente muita gente so para pra prestar atenção na situação quando a coisa pega para o lado de quem tem um certo destaque.

A hipocrisia é a pior doença do Brasil. O rico que veste a camisa branca para fazer passeata pela paz é o mesmo que não abre a mão do baseado ou da empregada doméstica/ escravinha.

Apesar de nem saber que cara tem um rolex, eu me identifiquei com o "manifesto" de Huck em nome dos milhoes que pagam seus impostos e tentam levar a vida com uma certa dignidade mas não têm os seus direitos mais básicos respeitados.

Q